Em meio a uma literatura controversa, as pesquisas da década de 1990 do prêmio Nobel de 2021, David Card, indicaram que o aumento do salário mínimo não tem necessariamente impacto negativo sobre o emprego. Card é professor da Universidade da Califórnia, estado dos EUA que promove, desde 2015, uma política de expressiva valorização do salário mínimo.
Menos controverso que o impacto do salário mínimo no emprego é seu impacto no salário médio e na redução da desigualdade. Paulo Renato Souza apontou o papel do mínimo como um sinalizador do salário médio e chamou esse de efeito farol. [1] O mínimo tem tanto um impacto direto nos rendimentos iguais ao piso como indireto, por ser uma referência utilizada nas negociações salariais. Para o Brasil, por exemplo, Foguel, Ramos e Carneiro (2015)[2] encontram um coeficiente de impacto positivo do salário mínimo sobre o rendimento médio das famílias. Medeiros (2015) mostra a validade do efeito farol durante os anos 2000 na economia brasileira.[3]
Em 2015 foi aprovada em Los Angeles[4] uma política ambiciosa de valorização do salário mínimo a ser implementada ano a ano, passando de $9,00 em 2015 para $15,00 dólares/hora em 2020.[5] O aumento do mínimo federal para $15,00 era um pleito do presidente Biden, mas não passou no Congresso, mas a Califórnia adota uma regra estadual própria.
Na Califórnia como um todo o aumento do poder de compra do salário mínimo foi de 25% nesses 5 anos. Já o rendimento mediano evoluiu de $33,4 em 2015 para $37,2 em 2020, a preços de 2020 (variação de 11% em termos reais). Como o mínimo cresceu mais que o rendimento mediano, houve redução da desigualdade da renda das famílias. O estado logrou uma conjugação de melhora da desigualdade com aumento generalizado do poder de compra dos rendimentos das famílias. A correlação entre o salário mínimo horário e o poder de compra do rendimento mediano é histórica (gráfico).
A título de curiosidade, esse caso recente da Califórnia confirma mais uma vez os resultados da pesquisa da David Card: com exceção do ano de 2020, com a deflagração da pandemia, a taxa de desemprego do estado no período caiu de 6,3% (2015) para 4,2% (2019), com aumento de 1,4 milhões de ocupados no período.
Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2022.
“Vivi
Coisas humilhantes sem perder o orgulho,
Mas sou de natural humilde dentro de mim.
É fácil me ferir. Mas eu pelejo,
Ainda ferido. Eu luto.”
A Morte de Zina (in Rubem Braga , Livro de Versos).
Ontem Rubem Braga faria 109 anos. <3
[1] Souza, P. R. SOUZA, Paulo Renato Costa. Salário e emprego em economias atrasadas. Campinas: Unicamp. Instituto de Economia, 1999.
https://www.economia.unicamp.br/images/publicacoes/Livros/teses/Salarioeempregoemeconomiaatrasadas.pdf acessado em 9 de janeiro de 2022.
[2] Foguel, M., Ramos, L. e Carneiro, F. (2015) THE IMPACTS OF THE MINIMUM WAGE ON THE LABOR MARKET, POVERTY AND FISCAL BUDGET IN BRAZIL1. Texto para Discussão 108 IPEA. http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/4974/1/DiscussionPaper_108.pdf
[3] Medeiros, C. (2015). A influência do salário mínimo sobre a taxa de salários no Brasil na última década. Economia e Sociedade, Campinas, v. 24, n. 2 (54), p. 263-292, ago. 2015. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ecos/article/view/8642080/9570
[4] Matéria da Revista The Economist https://www.economist.com/the-economist-explains/2015/05/20/how-a-living-wage-is-calculated
[5] O salário mínimo continuou nesse patamar em 2021 com previsão de aumentar novamente em 2022 de acordo com a inflação ao consumidor. https://www.govdocs.com/l-county-minimum-wages-goes-live-july-1/